essa semana vi um tiktok sobre uma brasileira que morou na frança e se sentiu extremamente não pertencente e julgada pelo jeito que se vestia. contexto: ela é uma mulher maximalista, na contramão do minimalismo despojado francês. logo depois a brasileira se mudou para berlim e o sentimento foi oposto, finalmente encontrou o seu lugar no mundo.
minha querida amiga luísa (que está agora em barcelona) me inspirou a escrever esse texto. talvez ela esteja em um momento de crise de estilo? espero que isso te responda ou ao menos gere reflexão, lu. fiz o meu melhor.
um dos grandes choques culturais que qualquer um que pise fora do brasil tem é: por que as pessoas parecem muito mais livres para se vestir lá? enquanto aqui somos todos… iguais (eu estudo na espm, eu sei o que você sente).
se você jogar essa pergunta no chat gpt ele vai te dar um zilhão de possíveis respostas. eu vou te dar a que eu acredito mais. vamos lá:
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zygmunt bauman, em modernidade líquida, afirma que, em sociedades mais individualistas, a aparência é parte da construção da autonomia — enquanto sociedades mais coletivistas (como o brasil) tendem a punir o que rompe o pertencimento.
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o pesquisador holandês geert hofstede, que estudou culturas no mundo todo, classifica o brasil como um país com índice médio de coletivismo. ele pontua que o brasileiro valoriza muito a lealdade a grupos familiares e informais, e tende a evitar o confronto direto ou o individualismo explícito. ˜can u relate?˜
mas por que o brasil é um país considerado coletivista?
graças à desigualdade social e a insegurança institucional (corrupção, falta de apoio estatal), o brasileiro aprendeu a sobreviver através da coletividade informal: família, vizinhança, igreja, amigos que “quebram um galho”, isso reforçou o coletivismo prático, ou seja, a dependência mútua como forma de proteção. o que também gerou o “jeitinho brasileiro”, que nada mais é do que um sistema paralelo baseado em relações pessoais. nada é mais importante que o nosso ciclo de amigos duh
em uma sociedade onde os vínculos sociais são mais importantes do que contratos ou leis, a opinião pública vira arma de controle. quem “desobedece” o comportamento coletivo (como se vestir diferente, questionar costumes, romper padrões) sofre punição simbólica: deboche, exclusão, julgamento. isso reforça a cultura de acomodação ao grupo, típica de sociedades coletivistas.
no fim, o brasileiro médio valoriza mais as relações pessoais do que a autonomia individual. o medo de rejeição fala mais alto que o desejo de se expressar. eu camila, não acho isso a pior coisa do mundo, não julgo ninguém por desejar ser aceito/amado - é a característica fundamental de ser humano.
o que me incomoda mesmo é estarmos inconscientes em relação as nossas escolhas e atitudes na moda. você precisa saber porque você faz o que faz, e nesse caso, veste o que veste. sim, talvez eu deveria ter cursado psicologia no lugar de marketing, idaí?
isso tudo a gente inconscientemente já sabia, né? eu só to te explicando os porquês. agora o que me pega de verdade é: por que a gente não tem consciência do que veste e por que o veste?
meus amores, eu sou super a favor de valorizarmos a nossa cultura. saber consumir não tem nada a ver com consumir só moda eurocêntrica, o nosso brasil tem muita coisa boa que a gente não veste, nem se orgulha. mas também não tem nada a ver com quem gosta de consumir moda eurocêntrica. o meu ponto aqui é outro: não sabemos porque diabos compramos e vestimos nossas roupas, o que também quer dizer que não fazemos a menor ideia de quem somos.
no brasil as roupas são usadas como demarcadores sociais. em outros lugares as roupas são usadas também (repara que eu disse *também*) para demarcar personalidade. deve ser maneiro você vestir algo com o intuito de dizer quem você é, não só da onde você vem. and thats the fucking point.
a tiktoker que eu citei no início do texto se sentiu pertencente a berlim porque ela se identificou, mas ela já está anos luz a nossa frente, porque ela sabe quem é e usa a moda como capitalizador disso. identificação só vem para quem já tem identidade própria. a maioria das pessoas nunca parou para pensar quem é, e a culpa não é inteiramente nossa.
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a pesquisa “estética e classe social no brasil” (PUC-SP, 2018) mostra como o acesso a referências estéticas é diretamente proporcional ao nível de escolaridade e localização geográfica.
autoconhecimento vem depois de necessidade básica na cadeia da vida. sabemos que grande parte do país vive na linha da miséria, e que ter acesso a educação de qualidade é luxo por aqui. mas acesso à educação não quer dizer acesso à cultura, ta? posso ser bem direta? se você tem muito dinheiro e não tem consciência do que veste, você provavelmente é uma pessoa sem cultura, ou pelo menos não o suficiente.
consumir arte/cultura te leva naturalmente a reflexões existenciais e identitárias, o que te leva à moda. vestir-se é político. vestir-se é comunicação na sua forma mais prática. a gente leva anos para aprender o alfabeto, mas a sua mãe escolhe seu macacão infantil na cor rosa para comunicar que você é uma bebê menina, já que você não tem cabelo ainda (outra forma de comunicação pela aparência). achar que moda é só futilidade reflete ignorância.
o exterior1 deveria refletir o interior2 - ninguém nunca disse que ele1 era mais importante duhh
e a grande verdade é que o dinheiro te facilita a vestir-se com liberdade, mas quem define isso é, primeiro, o seu nível de cultura (e consequentemente, autoconhecimento) e depois sua autoconfiança. tem quem tenha acesso à tudo e mesmo assim prefira se abster dos conflitos do seu ciclo social - a insegurança é inerente a vida. cada passo de uma vez. hoje só queria te tornar mais ciente.
até a próxima terça <3