e se for na itália, melhor ainda
se você nasceu antes de 2005 e não tem um diamante na mão esquerda ainda: calma, você não está só. eu posso explicar o que está acontecendo no seu feed do instagram.
o casamento se desenvolveu como ferramenta social relacionada à herança, propriedade e alianças, pois a necessidade de controle da paternidade (para garantir quem eram os herdeiros legítimos) impulsionou que o casamento se formalizasse como instituição. em sociedades agrárias e patriarcais, casar era assegurar linha de sangue clara, legitimar filhos, consolidar alianças entre famílias. entretanto, no século 18-19, com o movimento romântico, a ideia de “casar por amor” se fortaleceu, deslocando o casamento de uma relação utilitária para uma relação afetiva.
já durante os séculos 20 e 21, o casamento passou por fortes interrupções institucionais: fixação tardia da idade para casar, aumento do divórcio, crescimento da coabitação fora do casamento, desacoplamento entre casamento e parentalidade. nos EUA (e em muitos contextos ocidentais), metade dos matrimônios termina em divórcio; o casamento tardio se tornou padrão e o número de adultos que nunca casam subiu, um fenômeno chamado por pesquisadores de desinstitucionalização do casamento.
-
um ponto relevante: embora formalmente muitos rejeitem o casamento como “instituição antiquada”, pesquisas mostram que o ideal romântico de casamento ainda aparece nas expectativas afetivas de muitos — ou seja, o casamento vive tensionado entre rejeição institucional e persistência simbólica.
-
o artigo “fashion and art cycles are driven by counter-dominance signals of elite competition” sugere que estilos culturais emergem como sinais de distinção, copiáveis e depois descartáveis, em ciclos simbólicos. ou seja, uma hora se casa cedo e em outra se casa tarde, o que for mais inacessível para a maioria no momento.
a moda nupcial e a estética do casamento (vestido branco, festa grandiosa, cenários fotogênicos) são uma codificação cultural relativamente moderna. por exemplo, o vestido branco ganhou força depois que a rainha vitória escolheu um vestido dessa cor com renda honiton para seu casamento (anos 1840) e isso fixou uma simbologia de pureza que atravessou a cultura ocidental.
a festa de casamento como conhecemos hoje também é um acontecimento relativamente "novo", que migrou de cerimônia comunitária/religiosa para espetáculo de status: local com vista, decoração inspirada no pinterest, dress code, “wedding feed” — casamentos instagramaveis. odeio essa palavra.
essa semana vi uma matéria no instagram "os ricos estão casando muito mais que a classe média” do not journal. cliquei. logo na legenda dizia “enquanto pessoas com diploma universitário mantêm taxas de casamento mais altas, quem tem apenas ensino médio ou menor escolaridade vem casando cada vez menos.” achei curioso.
a própria matéria soluciona esse mistério, pelo menos em parte. eles citam um fenômeno atual chamado de "modelo de capstone”, no qual homens e mulheres buscam construir carreira e patrimônio jovens, para então casar. o que explicaria a tendência de casamentos cada vez mais tardios. em contraponto ao "cornerstone", que por sua vez, era quando os casais oficializavam sua união mais cedo, no inícios dos 20 anos, e juntos buscavam ascender financeiramente. nesse caso, a carreira vinha após o matrimônio. provavelmente o caso dos seus pais.
-
outro trabalho (wharton / budgetmodel) observa que, ao longo do tempo, casamentos se tornaram mais associados a pessoas com mais educação (um proxy forte para renda e estabilidade) — ou seja, o casamento “recua” mais fortemente entre estratos com menor escolaridade e renda.
lógico que, casamentos implicam custos de transição (moradia, cerimônia, mudança de vida) e expectativa de estabilidade futura. quem não tem segurança tende a postergar ou não formar o vínculo formal. mas para além disso, por que agora escolhemos construir carreira sozinhos, para só então casar?
durante séculos, o casamento foi o ponto de partida da vida adulta. casava-se para construir uma casa, formar patrimônio, alcançar estabilidade e, muitas vezes, ascender socialmente. o amor era uma variável desejável, mas não essencial. casar era o início da prosperidade: um pacto de interdependência que, ao mesmo tempo, protegia e limitava.
nas últimas décadas, porém, essa lógica se inverteu. a partir da segunda metade do século XX, sobretudo com a revolução feminina e o avanço da educação, o casamento deixou de ser o meio e passou a ser o fim, uma escolha, não uma necessidade. a mulher ganhou acesso à formação superior, à renda própria e à independência jurídica. o amor deixou de ser um destino social e passou a ser um projeto emocional. essa autonomia redefiniu o tempo do casamento: não se casa mais para construir estabilidade, se casa quando ela já foi conquistada. o que antes era o começo da vida adulta, hoje é o fechamento de um ciclo.
a geração dos nossos pais casava cedo porque o casamento oferecia segurança; a nossa geração posterga porque busca segurança antes de casar. é uma inversão completa de valores, fruto do novo contexto econômico e da cultura do planejamento.
mas há algo mais profundo em jogo: o individualismo afetivo. a cultura contemporânea valoriza a liberdade, o autoconhecimento e a autenticidade como pilares da identidade. casar cedo, antes de “se descobrir”, é visto pela sociedade quase como um erro de desenvolvimento. anthony giddens, em the transformation of intimacy, chama isso de “relacionamento puro” — um vínculo baseado na satisfação emocional e na compatibilidade subjetiva. para amar hoje, é preciso antes se conhecer como indivíduo. o amor moderno exige autonomia, e a autonomia exige tempo.
o casamento, então, deixou de ser um passo obrigatório e se tornou um símbolo de conquista, uma espécie de “prêmio” emocional depois da estabilidade pessoal e profissional. o sociólogo andrew cherlin descreve isso como a passagem do “modelo de base” para o “modelo de teto”. antes, o casamento era o alicerce: casava-se para crescer juntos, dividir o esforço, erguer uma vida. hoje, ele é o telhado: só se constrói quando a casa está pronta. é o gesto que coroa o sucesso, não o que o inaugura.
o amor passou a obedecer à lógica do mérito — só merece casar quem já se provou capaz de cuidar de si.
essa mudança produziu efeitos culturais e estéticos profundos. as pessoas se casam mais tarde, mas com mais seletividade; escolhem parceiros que refletem seus valores, não sua necessidade. a cerimônia, antes familiar, tornou-se espetáculo. o casamento moderno é projetado com a mesma minúcia de um lançamento de marca: locação, paleta de cores, estética visual, narrativa emocional. ele não é mais apenas um rito íntimo, mas uma performance simbólica; uma tradução visual da vida bem-sucedida. é a união como atestado de sucesso.
em síntese, o mundo trocou o “casar para crescer” pelo “crescer para casar”. o amor deixou de fundar a vida e passou a coroá-la. e talvez por isso tenha se tornado tão estético, tão fotografado, tão planejado; porque, no fundo, casar deixou de ser um início e virou um destino: o sinal visível de que a vida deu certo.
como nada na vida são flores, vamos ao ônus 😅:
o casamento se tornou um privilégio de quem tem recursos. casar agora exige mais tempo, estabilidade e dinheiro do que nunca, bens escassos para as classes mais baixas. a antiga promessa de “prosperar juntos” se tornou antiquada e quase brega.
ninguém mais precisa de um vínculo conjugal para sobreviver, ser reconhecido ou ter acesso a oportunidades. mas, por outro, essa mesma liberdade cobra um preço psicológico e simbólico: o de ter que transformar o trabalho em sentido existencial.
durante boa parte da história, o casamento era o eixo de estabilidade que estruturava a vida — emocional, social e até econômica. ao deslocar esse eixo para a carreira, a sociedade moderna trocou a segurança do vínculo pela promessa do progresso. prosperar virou o novo verbo amar: conquistar, crescer, provar, exibir. o problema é que o trabalho, diferente de uma relação, nunca retribui afeto; ele retribui resultado. então o sujeito moderno vive em permanente estado de performance, com uma sensação constante de insuficiência.
o primeiro ônus, portanto, é o afetivo. quem adia por tempo demais o campo emocional em nome do campo profissional tende a se acostumar à solidão funcional, aquela que é produtiva, mas não íntima. as rotinas longas, a hiperconexão e a busca por reconhecimento ocupam o espaço onde antes existiam as pequenas doçuras da convivência. a vulnerabilidade passa a parecer fraqueza; o descanso, perda de tempo; o amor, risco de distração. e isso cria uma geração que confunde independência com isolamento emocional.
por essa você não esperava né rsss
há também o ônus temporal, que não vou me estender muito porque é o primeiro que todo mundo pensa. ao priorizar a carreira, muitos adiam experiências que não são infinitas: o tempo biológico e a construção de vínculos profundos com pessoas que amamos. quando se chega ao topo profissional, muitas vezes já não há disponibilidade emocional ou tempo, para começar do zero. e algumas coisas não voltam.
existe ainda o ônus simbólico (esse é top), o mais sutil de todos. a sociedade passou a aplaudir o sucesso individual como ápice da realização humana. mas isso cria uma nova prisão: a do mérito. se antes o fracasso era não casar, hoje o fracasso é não ser bem-sucedido. e essa inversão gera culpa em ambos os lados — nos que se dedicam à carreira e se sentem vazios, e nos que escolhem o amor e se sentem atrasados. o resultado é uma geração que se cobra o impossível: o casamento na itália + o linkedin perfeito. i know how u feel queridinha
e afinal, estão casando mais mesmo ou só postando mais?
se você gostou, deixe um comentário. assim, semana que vem eu volto.